quinta-feira, 3 de março de 2011

ANO 2003



Nem Matrix, nem Cultura, nem Nada. 
 Ponto final?


Nesta semana, mais uma vez um grupo teatral da cidade entrará em cartaz com mais uma produção artística local levando arte e cultura à população da cidade das rosas.
Ponto final.
Poderia ser um ponto de exclamação dito com todo orgulho que pode se dar na inflexão, mas infelizmente não é.
Ultimamente Vitória da Conquista tem sido palco de constantes apresentações cênicas com a presença de grupos e artistas de outras cidades com seus espetáculos, entre eles: O Vôo da Asa Branca, premiado musical que conta a história de Luis Gonzaga, com a direção de Deolindo Checcutti; A Coisa, espetáculo musical protagonizado pelo conhecido ator, Jacson Costa, sob a direção de Paulo Dourado e também neste final de semana o espetáculo Isto é bom demais, baseado em cordel e lundus africanos, sob a direção de Armindo Bião.
Todos estes espetáculos são da cidade de Salvador e os seus diretores, coincidentemente são professores da Escola de Teatro da Ufba.
Apesar do frio de Conquista, nos dias da apresentação, o público presente foi grande e como sempre, prestigiou os artistas soterapolitanos em mais uma visitinha ao interior baiano esquecido e longe de atividades culturais e artísticas de qualidade.
Ponto de Interrogação ou Parentêse?

Vamos então, abrir um parentêse para tentar entender o porquê, em sessões de teatro da própria cidade, o público é outro. Não vou discutir o mérito desta questão, pois já o fiz em outros artigos, mas não posso deixar de convidar mais uma vez o nosso querido público conquistense a prestigiar o seu teatro.

Para se ter uma idéia, o teatro conquistense tem crescido muito e mostrado sua cara, não só para a cidade como também, na capital baiana. Prova disto, foi a participação dos Grupos Caçuá e Pafatac no Projeto Teatro de Cabo a Rabo acontecido em meados de julho deste ano, no Teatro Vila Velha, onde em três dias de apresentações ficou claro o compromisso e o talento de artistas tão jovens e engajados em fazer um teatro popular, sério e  de qualidade.
Mas para a nossa cidade, fazer um teatro popular sério não serve como status caatingueiro para se ir ao teatro, ao contrário, a ida cultural  à casa de espetáculos se dá  para  ver as divas e estrelas da capital baiana, paulista ou carioca. Ir ao teatro por aqui é mero status social e pouco importa a mensagem real do espetáculo, afinal, a nossa cidade é tão repleta de atividades culturais e as opções, cada vez mais óbvias à altura e inteligência do nosso público, cada vez mais requintado e global.

Estou cansado de ficar fazendo a corte para artistas que vem de fora que acham-se melhores e  superiores aos artistas caatingueiros da cidade que os recebem.E ainda tem artista  por aqui que se preza a ficar  babando os culhões  alheios? Ponto de exclamação.
É preciso valorizar o que é nosso, nossas raízes, minha gente! Até quando, ó Pátria Amada, essa mensagem será entendida e incorporada a sua Matrix? Pois parece que vivemos um eterno programa de computação onde a realidade é sempre simulada e os erros são os mesmos, os problemas iguais, as desigualdades sempre presentes, as crianças nas ruas, o desemprego a mil e nós sempre engolindo tudo, paradinho, caladinho, sentadinho, acomodadinho. Reticências.
Precisamos tentar entender mais as coisas, participar das atividades da nossa cidade, questionar mais, conhecer para criticar e verificar com os próprios olhos a veracidade dos fatos, afinal, as eleições se aproximam  e o circo de horrores ou a compra  desesperada pelo seu voto entrará em cartaz  mais uma vez, no veículo de comunicação  que o brasileiro mais adora.

Enquanto isso vamos ver o que está acontecendo na cultura da nossa cidade, ir ao teatro, ao cinema, ao show de rock ou até mesmo na casa de um amigo para ler um bom livro porque certamente é bem melhor que ficar “pagando mico”  em frente a postos de gasolinas e suas respectivas lojas de conveniências gastando  e exibindo os seus hormônios, fazendo pegas de carro e incitando a violência,  que na nossa cidade, não está pequena. Aliás, é isso que acontece onde não se tem opções de cultura e lazer decentes, a violência é o caminho mais rápido, seguido dos vícios mais pesados e inocentes como  este  que acabo de mencionar.

E se vocês quiserem tirar as dúvidas ou começar a participar da vida cultural da nossa cidade e até mesmo, comparar o teatro conquistense com o teatro da capital, esta é a oportunidade. Dois pontos.
O Grupo Caçuá de Teatro estará em cartaz dos dias 29, 30, 31 deste mês, no Teatro Municipal Carlos Jeovah, um teatrinho quase esquecido, que fica bem no coração da cidade, perto do Mercadão. O espetáculo será O Cordel do Pavão Misterioso e a Cerca que conta histórias de cordéis nordestinos baseados na cultura popular e no folclore da nossa região que se apresentou, recentemente, na capital baiana.
Ah, o preço do ingresso é 3 reais, preço único.É baratinho mesmo  porque temos o compromisso em formar  uma platéia pensante, não meramente consumista.

Aliás, vivemos neste dilema de consumo por aqui, produto X consumidor, salário X trabalho, sonho X realidade, arte X transformação, homem X máquina... 
Por isso, nós ralamos muito para vocês, que apesar dos pesares, ainda tem prestigiado a nossa, ou melhor, a sua produção local.

Mas como a nossa realidade não é uma Matrix, podemos ser mais reais e presentes, antes que Morfeu adormeça de vez, a nossa capacidade de pensar e escolher, a qual nos distingue dos demais seres irracionais deste planeta.
 E que, neste slide da vida real, ironicamente, os nossos hormônios não sucumbam, de vez, a nossa inteligência, o nosso bom senso, e a nossa carência.
Te vejo no Teatro?!  Ponto de reflexão.

       Marcelo Benigno é ator, arte- educador, diretor, graduando em Artes Cênicas pela UFBA
  PUBLICADO NO JORNAL CORREIO DA BAHIA EM 10 DE SETEMBRO DE 2003.    


              

Dia do Teatro: Comemorações, orações e sujeitos determinados numa arte – religar

Neste ato em que as thiromatas dão passagem para celebrar o Dia do Teatro e saudar a Zagreu, nome do primeiro Dionísio, percebemos que todos os que escolhem o esquema trágico, passando pelo enthusiasmos, vencendo o anti-herói, ultrapassando o metro, a medida, e finalmente alcançando o mérito de se tornar um hyporrites (ator), digno de participar do banquete do vinho, sentimos que para se tornar um sátiro, seguidor das artes teatrais, exige-se muito mais trabalhos, deveres e obrigações, que prazeres, sem mencionar a moira, nossa inimiga adquirida como presente para um Édipo cego, por querer simplesmente ser e usar da arte da representação. Ela, nosso único castigo, transformou-se neste final de século numa palavra só: patrocínio.

Talvez nem quando no culto a Bromio, que vem do grego Bromios- significando Bromos, o deus que pulsa, outra nominação de Dionísio, os estudiosos quebravam suas cabeças entre as possíveis origens do nosso teatro e nem  ficavam em transe tentando explicar como esta arte teve inúmeras  evoluções no decorrer dos séculos.
Todavia, Geraldelse, um estudioso da História do teatro, nega a origem religiosa desta arte.
Outras vertentes, em maior número, baseiam-se na origem religiosa, ora ditirâmbica, defendida por Aristóteles, ora satírica-ditirâmbica, defendida por Nietz, ou ainda, provenientes dos rituais não dionisíacos, via mistérios eleusianos e dos cultos aos mortos (culto aos heróis).
Percebe-se que o termo religião tem todo um significado de religar as pessoas, de crença, de fé, conjunto, e fraternidade, porém, nem as religiões de hoje escapam da comercialização em seus templos quem dirá uma arte, que ao contrário da religião, é vista com outros olhos.

Não importa se é tragédia ou comédia, melodrama ou sátira, ou se a farsa é atelana ou a fábula é togata, ou ainda, como a história e costumes da humanidade contribuíram para a transformação desta arte. O que se é de extrema necessidade hoje é fazer uso do ofício de ser artista, estar na mídia, considerar-se diferente dos outros, ser apontado ou reconhecido na rua e até, quem sabe, aparecer num reality show diariamente para todo o país com a oportunidade única de sair milionário e poder adquirir o manual de cabeceira para seus filhos, intitulado: “Mamãe, quero ser artista - Respostas práticas a Perguntas Impossíveis” com o fascículo brinde:“Como entrei  e sobrevivi ao Big Brother 100 com depoimentos inéditos do craque-modelo-ator vencedor. Como se vê, o que vale hoje é tão somente o poder da imagem, da grana, do tutu, dimdim, money, das influências...

Mas o que me fez pensar justamente hoje nesta arte resumiria em duas palavras:
religião e patrocínio.
Talvez nem o próprio Grotowski, num de seus comentários mais conhecidos, quando afirmava que para se haver teatro era necessário apenas dois elementos, o ator e a platéia, pensasse na existência de um terceiro elemento. Parece nome de filme, mas ele existe!
E abençoando mais uma trindade e parodiando o pensamento grotowskiano, digo em alto e bom tom: “Para se haver teatro é necessário a existência de três elementos que formam a trindade mágica e condicional, com ou sem o“se”, de Stanislavisky, que vos anuncio agora
ator-platéia-patrocínio, e sem o último expoente da trindade, esta geração de artistas, não se perpetuará.”
Certamente, os atores da comedia dell’arte concordariam comigo, pois, seus contratos eram recheados de exigências e regalias, sobretudo, ao pagamento de seus cachês.

Antigamente, fiz loucuras para financiar meus próprios trabalhos, mas chega uma hora que não dá mais.
Hoje sou devoto fervoroso da Tríade ou Trindade ator-platéia-patrocínio.
No entanto, para conseguir atingir esta trindade e adquirir uma graça, o trabalho coletivo deve ser de um profissionalismo impecável, criativo e ardente, assim como o fogo que move esta arte. E atenção, não é qualquer um que pode receber ou se tornar digno de tal graça!
São anos de preparação, estudos e práticas, e ao contrário de outras bênçãos, ela só vem com muita dedicação, abnegação e muito trabalho. E você terá ainda que vencer a força das “panelinhas” e das indicações dos mais cotados ou dos mais amigos, que de uma forma ou de outra, dominam o cenário das celebridades artísticas do nosso tempo.

Não adianta uma só pessoa trabalhar por um grupo ou um grupo inteiro não ter força nenhuma para concretizar seus objetivos. Se quisermos crescer nesta arte, os sacrifícios serão diários e o sentido religioso, entre nós que fazemos arte, deve ser maior de quem nos assiste ou vê. O compromisso com o nosso ideal de transformação, muitas vezes, será apagado pela mídia e por outros interesses que atravessarão o nosso caminho.
Não adianta jogar pérolas aos porcos e nem tapar o sol com a peneira.

De que adianta sermos precursores de um teatro profissional numa cidade que não nos valoriza?
De que adianta fazer um espetáculo e terminar com dívidas de produção? 
De que adianta ter uma qualidade impressionante na produção cultural quando o interior baiano se quer, aparece nos projetos e verbas da capital?
A quem queremos enganar?!
Se o trabalho de grupo não for forte e idealista o suficiente para poder driblar todas estas dificuldades e outras mais, que não caberiam nesta lauda, pensem duas vezes, meus colegas, em beber da taça de Dionísio ou vestir suas vestes e personagens, porque a cidade esta cheia de picaretas que vendem a alma por qualquer ducado e se dizem, verdadeiramente, artistas comprometidos com a mudança de mentalidade do seu público.

Espero na minha doce ilusão de Sátiro Sertanejo, que Dionísio interceda por nós do interior e consiga concretizar nossos projetos.
Com fé no poder coletivo e energia do nosso grupo, crendo naquela trindade mágica evocada, possamos comemorar mais um Dia do Teatro com alegrias e motivos plausíveis.
E sem medo dessa moira moderna, lembraremos Eurípides refutando em uníssono:
“O homem é a medida de todas as coisas” e o destino... a Deus pertence!

             Marcelo Benigno é ator, arte-educador, graduando em Artes Cênicas pela Ufba, diretor do Grupo Caçuá de Teatro em Vitória da Conquista, na Bahia.




Amnésias temporárias, esquecimentos eternos e o sorriso de despedida do clown antigo.

Mês passado, quando viajava de Conquista para Salvador, deixei  meu celular no ônibus da empresa que  embarquei. Amnésia ou esquecimento?!

Foi um sufoco recuperá-lo, mas tinha a certeza de tê-lo deixado no banco do ônibus em que viajei. Ainda na rodoviária, liguei para a garagem da empresa e, com dois demorados dias, fui pega-lo. A busca pelo celular me trouxe algumas reflexões que gostaria de compartilhar com vocês.

Para começar, a garagem da empresa ficava perto da Estação Pirajá, próximo ao subúrbio rodoviário, numa região bem afastada do centro de Salvador. Pela janela do ônibus, podia se notar tantos quadros das realidades do Brasil Tropical diante de tanta pobreza, acomodação e do descaso evidentes com o ser humano, principalmente baianos, nortistas e brasileiros.

Recuperado o celular, a viagem de volta pra casa foi mais longa. Do alto, avistava-se toda a orla soteropolitana e, bem perto dos meus olhos, os Alagados, com suas famosas palafitas.
Via-se ainda crianças jogadas naquelas casas submersas, muitos jovens acomodados e já criando seus filhos, inúmeros adultos e idosos morrendo de sonhos e fome.
Não, este não é um texto feito para nenhuma campanha política ou publicitária, pode até soar falso, mas trata-se de uma tentativa de reflexão sobre a abrangência da arte (questionadora e crítica) para a população.

Será que a nossa arte atinge essas pessoas? Estamos comprometidos com uma arte de transformação ou de reprodução? Até que ponto eu, como artista, modifico a minha realidade através da minha arte?! Que arte é essa que serve só pra divertir?!

Voltei pra casa com todas aquelas imagens e idéias na cabeça pensando em contribuir mais com essas pessoas. Sinto um pouco realizado por desenvolver e possibilitar o acesso a um teatro questionador a jovens da periferia da minha cidade, através do Projeto Arte para a Comunidade, do Centro de Cultura. Ano passado, tive a oportunidade de trabalhar diretamente com jovens e crianças da periferia de Salvador, na Fundação Cidade Mãe. Ministrava aulas de teatro no Bairro da Paz, um dos bairros mais violentos e pobres da capital baiana. Nessa troca de afetividade, auto estima e questionamentos pude aprender muito mais que ensinar e perceber que a vida real não é uma encenação, exige-se pressa, toque, olho no olho, energia e verdade!

Como artista, tive toda uma formação ligada diretamente ao povo pobre e sofrido da caatinga, uma gente batalhadora, alegre e decente. Trabalhei quase 10 anos com as CEB´S - Comunidades Eclesiais de Base, ligadas à Igreja Católica, na zona rural de Conquista.
Nossas reflexões, naquela época, eram para transformar a nossa realidade através do teatro, da evangelização e da solidariedade. Foram muitos trabalhos em prol de uma causa missionária, e vale a pena lembrar, sem nenhum tipo de remuneração ou pagamento por isso.

Hoje em dia, alguns artistas pensam primeiro no tamanho do cachê, depois na contrapartida social, como se diz nos projetos destinados a Fundação Cultural ou a empresas de captação de recursos. Afinal, a arte virou comércio, sobrevivência, ideal, ou passatempo?!
 O que não suporto é o falso compromisso de pessoas, empresas, políticos e artistas que afirmam amor e devoção às causas dos pobres e necessitados. Onde estão os projetos para um teatro transformador, de acesso a todos? E os investimentos destinados a ele?
Posso falar em bom tom e sem falsa modéstia que experiências como as das Ceb´s, e outros trabalhos que desenvolvi e ainda desenvolvo, me deixam com a sensação de orgulho e dever cumprido como artista (catingueiro) comprometido com a arte.
Mas a muito ainda por fazer e não depende só da iniciativa de artistas conscientes.
Lembro que, uma vez, algumas pessoas de Conquista, quando souberam que eu vinha do teatro de grupo, de igreja, ligado à zona rural, rabeavam os olhos e questionavam ao colega urbano, do lado: “O que esse menino do Guigó quer aqui no meio de nós?!” “Onde já se viu, teatro na roça?!”  “Gente, eu pensava que o povo do Guigó só sabia plantar?!!”

Mas aquele menino do Guigó, região rural de Conquista, ou melhor, o distrito de José Gonçalves, cresceu e hoje o seu projeto de mestrado falará justamente do teatro popular, suas variações e resistência na região sudoeste da Bahia e também, da importância de ações de artistas comprometidos com a sua região e seus valores. Amnésia ou esquecimento?

Quero também mencionar nesse ensaio sobre a amnésia, mal que aflige a muitos conterrâneos meus, que  o esquecimento é algo  cruel e triste.
Triste como a morte do artista Charles Cerdeira, conhecido palhaço de Conquista que, numa hora qualquer saiu de cena sem nos avisar. Sua despedida repentina deixou todos com questionamentos sobre esse ofício-sacerdócio de ser artista nessa cidade-estado-país de valores tão desconexos em relação à arte e os seus profissionais.
Será que uma vida inteira de sacrifícios vale uma morte tão triste?

Hoje, tento lembrar de tudo o que fiz na vida, para depois não correr o risco de tentar esquecer o que não quero lembrar.
Quero lembrar, por exemplo, de tantas pessoas que passaram pelo meu teatro, que se encontraram na vida e hoje lutam pelo seu espaço, quero lembrar dos meus alunos, amigos, jovens, crianças e idosos que um dia, cantaram comigo na mesma roda da vida, quero lembrar não dos cachês que ganhei, mas do suor e sangue derramados por conquistas pessoais e coletivas, quero lembrar do engajamento político que resgatei como artista que reclama e briga pelos seus direitos e pela ética profissional  do meu ofício e quero lembrar, em especial, do palhaço amigo que, com seu eterno sorriso e aquele ar questionador que tinha, deixou o picadeiro para animar outras platéias. A sua saída de cena não será esquecida, bem que podia ser adiada, mas como sabemos, o nosso picadeiro real é mais triste que alegre e o sorriso de um clown, muitas vezes, escondem suas lágrimas e sofrimentos.                                (...)

Que as lembranças verdadeiras jamais sejam esquecidas, que os esforços por causas justas sejam sempre reconhecidos, que a arte sempre vença as dificuldades e tristezas e que as amnésias não apaguem as nossas preocupações com a miséria, a mentira e a doença. 
E hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor! E o palhaço o que é?!
Um ser humano como outro qualquer.                           
Marcelo Benigno set/2003  SSA





Excrementos conquistenses dos artistas teatrais em busca da Fama

             Aviso aos navegantes que se iniciam. Aula número 13



Estava sentadinho na sala do meu amigo, em Salvador, quando na tela da tv exatamente, no canal da MTV,  passava um make in off da gravação de um clipe da popstar Madonna.
No clipe, ela incorporava  “personagens - ícones” da cultura norte americana que  idolatram Hollywood, beleza, status e fama. Nos quadros, as personagens cantavam a mesma música,
passando um pouco da sua trajetória, em busca da fama e da sua imagem ali exposta.
Antes da finalização do clipe a própria Madonna comenta, fora das gravações, sobre o sonho americano de supremacia idealizado por muitos e faz um diferencial interessante quando diz que os realites shows dão às pessoas a sensação de fama conseguida do nada, sem trabalho, estudo ou qualquer empreendimento para alcançá-la. Nesse ponto, ela enfatiza muito a questão do trabalho em prol da conquista, ao contrário da falsa idéia de ascensão  rápida ou forjada  pelo dinheiro, mídia ou soluções mágicas de dinheiro vendidas nos classificados populares.

Fiquei pensado naquele comentário enquanto terminava de ver o clipe pronto. Toda aquela produção diante da nossa protagonista musical, que, diga-se de passagem, tem uma carreira invejável a qualquer artista de renome mundial, e  que “ralou” muito para chegar onde está.
E cá com meus botões, comecei a pensar na minha arte, nos meus desejos e objetivos como artista, nas pessoas que estão a minha volta...
Cheguei à óbvia conclusão, que aqui no nosso terceiro mundinho brasileiro, também se reproduz o sonho americano de poder, e que isto, não se restringe apenas às áreas artísticas.
Para não ser muito prolixo, analisemos a nossa própria cidade, os nossos próprios conhecidos e amigos que fazem tudo por uma pitadinha de fama ou dinheiro.
Até aí, tudo bem que as pessoas tenham ambições, projetos, contanto que não envolvam outras de forma desonesta e nem ultrapasse a ética, que controla as nossas ações.
Mas a recíproca é verdadeira e estou cansado de ver oportunistas da arte cavarem suas carreiras com os méritos de outrem ou usarem a inocência dos outros para se promover.

Tivemos recentemente exemplos aqui no nosso grupo.
A produtora de sucesso que seduz jovens e criancinhas para participar de seus trabalhos, o jovem escritor mimado, que para perpetuar sua obra, lança-se como supra-sumo num espetáculo de teatro dando inclusive, créditos para si mesmo, dirigindo, escrevendo, produzindo e atuando, ah,  antes que me esqueça, ele também assina a direção geral do trabalho, que não paga os atores, visto que não se é um grupo-família, e todo mundo pode agregar seus trabalhos amadores à obra. Afinal, foram três diretores na empreitada, sendo um único deles o artista da história. Nossa, o nosso redundante dionísio deve ter no mínimo, duas graduações para tanto empreendimento, pois como sabemos, atuar sem registro profissional é ilegal, imagine, dirigir,  produzir e  enganar?!
Extra, extra, vende-se aqui profissões e carreiras nascidas de um aborto totalmente artodiano e ilegal.
Sem esquecer, é claro, do carioca clandestino, que discretamente rouba atores alheios  como resquícios de sua carreira brilhante e ética, afinal, quem vem de fora sempre é melhor do que os que aqui estão, e respeito é bom, só para quem é conveniente ou quando se  denuncia ações com estas aqui presentes. Nossa, até rimou!

O mal da nossa city, meus caros, é que os interesses por mais que pareçam coletivos sempre deslancham para o lado pessoal.
Enquanto não respeitarmos o nosso colega de verdade, sempre achando-o bestinha e bonzinho demais para nos denunciar, estaremos criando relações de favores e “vistas grossas” aos  erros  dos mais chegados por amizade, conveniência ou cumplicidade.
Ora, amigos, amigos, negócios à parte. Justiça para todos ou hipocrisia famigerada?!

Mas aqui, na nossa GreenVille tudo é permitido, seduzir atores de outros grupos, não pesquisar e nem trabalhar como se deve, (inclua-se não trabalhar com a formação de atores nos grupos), copiar aulas e metodologias dos mais graduados, usar nomes e referências de  quem  realmente é correto para se promover, pegar atores emprestados dos grupos e incutir em suas cabeças a prostituição por míseros cachês passageiros ou ainda por independência e maioridade adquiridas, errar e não admitir o erro,  sair de grupos ou de contatos com outros artistas fechando todas as portas, pular de companhia pra companhia fazendo sempre merda por anda passa (funh!), pensar nos resultados e não no processo, querer abraçar o mundo com as mãos e subir ao topo sem andar os degraus da escada da vida, mentir, ludibriar, e enganar professores, colegas e  a si próprio para satisfazer os interesses pessoais e o ego, ser ator de si mesmo 24 horas por dia, e principalmente não respeitar os mais velhos, não conhecer antes de criticar e receber os méritos pelos esforços e trabalhos pessoais e coletivos... será que esqueci alguma coisa?!

Se fosse escrever tudo que a nossa cidadezinha e seus pseudos artistas fazem, rs, daria uma lista  daquelas.
Por isso, crianças, fazer teatro é uma descoberta que não é tão inocente assim e  que vocês devem aprender desde cedo, pois o Lobo Mau anda por aí rondado as cestas das Chapeuzinhos Vermelhos indicando os caminhos errados para satisfazer os interesses de quem? Leram a história?! Pois o Caçador  aqui  é a  sua Consciência e só ela poderá salva-lo.
E pra terminar, um conselho deste professor:
(Aproveitem, que ainda não estou vendendo! )
Acreditem  nos valores pessoais de vocês, na família, nos verdadeiros amigos, nos objetivos da vida, e o mais importante: NA VERDADE!
Sem esta, nunca seremos artistas, pessoas, seres humanos inteiros, viveremos sempre na ilusão das nossas carências e necessidades existenciais, sempre pisando nos outros e achando que vivemos num eterno palco de felicidades e ilusões.
Teatro é acima de tudo acreditar em possibilidades, e arte é tudo de bonito que se possa imaginar. Sendo assim, voem em busca dos seus sonhos, crendo numa arte verdadeira, digna e transformadora, pois o nosso mundo não é feito de Madonnas e artistas de televisão bem sucedidos, mas de cidadãos simples que através das reflexões desta, e de tantas outras artes, saberão aonde ir e o que fazer  e,  sobretudo, perceberão que nem tudo nessa vida é o que parece.

                      Marcelo Benigno é ator, arte- educador, diretor e graduando em Artes Cênicas (Licenciatura) pela UFBA.   

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